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Novas evidências são reveladas sobre o uso de cogumelos em culturas tradicionais africanas

Cogumelos da espécie Psilocybe maluti sobre um campo de girassóis. No horizonte, as montanhas Maluti, do Lesoto
11 de julho de 2024 525 visualização(s)

Novas evidências são reveladas sobre o uso de cogumelos em culturas tradicionais africanas

Cogumelos da espécie Psilocybe maluti sobre um campo de girassóis nas montanhas Maluti, Lesoto. Atribuição à Natureza Divina.Cogumelos da espécie Psilocybe maluti sobre um campo de girassóis nas montanhas Maluti, Lesoto. Atribuição à Natureza Divina.
Psilocybe maluti sobre um campo de girassóis nas montanhas Maluti, Lesoto.

 

Embora a popularidade dos cogumelos no meio científico tenha aumentado consideravelmente nas últimas décadas, especialmente para a espécie Psilocybe cubensis, as pesquisas sobre esse tópico no continente africano são escassas — se comparadas à quantidade de estudos realizados em outras partes no mundo. Sendo assim, até o momento, há uma limitada compreensão sobre o uso de cogumelos enteógenos pelos povos tradicionais da África, apesar de a prática ser datada de pelo menos oito milênios, como indicam achados arqueológicos no continente.

O uso de cogumelos enteógenos: uma prática ancestral e milenar

A utilização de cogumelos em contexto religioso remonta a milhares de anos atrás. Em múltiplas culturas antigas — como os egípcios, os gregos, os astecas, os maias e os siberianos —, há evidências que apontam para o consumo de cogumelos em rituais de cura e cerimônias tradicionais. Na África, os murais pré-históricos das cavernas do Tassili N'Ajjer, no deserto do Saara, sugerem que os cogumelos vêm sendo utilizados em cerimônias religiosas há mais de 8 mil anos.

 

Mural arqueológico da caverna de Tassili n'Ajjer, Argélia, representando uma figura humanoide com corpo coberto por cogumelos semelhantes aos Psilocybe. Imagem atribuída a Stephen Berlant e ao Journal of ethnopharmacology 102, de 2005.Mural arqueológico da caverna de Tassili n'Ajjer, Argélia, representando uma figura humanoide com corpo coberto por cogumelos semelhantes aos Psilocybe. Imagem atribuída a Stephen Berlant e ao Journal of ethnopharmacology 102, de 2005.
Mural arqueológico da caverna de Tassili n'Ajjer, Argélia, por Stephen Berlant / Journal of ethnopharmacology 102 (2005).

 

O uso de cogumelos é tão proeminente ao longo da história da humanidade que o psicofarmacologista Roland L. Fischer desenvolveu a Teoria do Macaco Chapado nos anos 1960, popularizada pelo historiador Terence McKenna. Segunda essa teoria, os hominídeos teriam experienciado uma rápida evolução do cérebro, por meio do consumo de cogumelos, o que alavancou o desenvolvimento da linguagem, a autorreflexão e a imaginação.[1]

O vazio de conhecimentos sobre uso de “Psilocybe” na África

Os cogumelos da família Psilocybe, a favorita dos micologistas, possuem origem incerta. Entretanto, especula-se que esse conjunto de variadas espécies seja proveniente do continente africano. Assim, considerando a ancestralidade do uso de cogumelos em todo o mundo — constante em múltiplas regiões, culturas e períodos históricos — é notável o vazio de informações existentes sobre esse assunto na África.

Até poucos anos atrás, somente quatro espécies nativas africanas de Psilocybe haviam sido encontradas no continente, do conjunto de aproximadamente 140 espécies no globo. O número foi recentemente aumentado para seis com a documentação do P. ingeli (descoberto no começo de 2023, em Kwa-Zulu Natal, África do Sul) e o P. maluti (descoberto em 2021, na província sul-africana do Estado Livre).

Nesse contexto, pesquisadores da Universidade de Stellenbosch, na África do Sul, trazem informações inéditas sobre as duas espécies descobertas mais recentemente, assim como conhecimentos anedóticos sobre o uso de cogumelos P. maluti em rituais de cura performados pelos basotho, um povo originário da região do Lesoto e África do Sul. O estudo foi publicado na revista Mycologia, em julho de 2024.[2]

Rituais de cura com cogumelos pelo povo basotho

Indivíduo com trajes tradicionais basotho de virado costas, observando a paisagem vasta de um vilarejo nas montanhas Maluti. Imagem finalista do Grand Prix de Fotografia do Festival de Inverno de Hyères em 2002, criada por Joël Tettamanti.Indivíduo com trajes tradicionais basotho de virado costas, observando a paisagem vasta de um vilarejo nas montanhas Maluti. Imagem finalista do Grand Prix de Fotografia do Festival de Inverno de Hyères em 2002, criada por Joël Tettamanti.
Finalista do Grand Prix de Fotografia do Festival de Inverno de Hyères em 2002, por Joël Tettamanti.

 

Os conhecimentos foram adquiridos a partir de relatos de curandeiros e anciãos basotho, que habitam o distrito de Leribe, norte de Lesoto. Conforme afirma a pesquisadora Agnieszka Podolecka[3], devido ao isolamento proporcionado pelas montanhas do país, saberes e práticas basotho são extremamente antigos, transmitidos de uma geração para outra com mínima influência de tradições xamânicas externas ou das formas de xamanismo do New Age presentes na África do Sul. 

Segundo os pesquisadores que coletaram estas informações, dois tipos de curandeiros basotho utilizam o Psilocybe: os linohe, para previsão do futuro e cura, e os ngaka-chitja, que possuem vasto conhecimento de ervas medicinais, mas não têm habilidades de adivinhação. No ritual, é preparada uma mistura com Psilocybe maluti e Boophone disticha — uma planta enteógena muito potente — para o paciente, que, em seguida, é colocado diante de um espelho para relatar as visões aos curandeiros e receber aconselhamento espiritual.

Perspectivas sobre o estudo do uso tradicional de cogumelos

Até o momento, esse é o único relato em primeira mão do uso tradicional de cogumelos da família Psilocybe registrado no continente africano, além da primeira menção do uso de cogumelos enteógenos na África Subsaariana. Porém, com o crescimento do interesse científico sobre a Medicina Natural e os benefícios dos cogumelos à saúde, assim como sua relação com culturas tradicionais, podemos esperar mais estudos na África sobre esse tópico no futuro.


Referências

[1] MARTIN, I. A. Produção de imagens na performance do êxtase: Zonas limiares entre o sagrado e o profano, à mestiçagem antropófaga do Teat(r)o Oficina. São Paulo: Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo, 2019. Disponível em: <https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/27/27156/tde-18022021-125327/en.php>.

[2] VAN DER MERWE, B. et al. A description of two novel Psilocybe species from southern Africa and some notes on African traditional hallucinogenic mushroom use. Mycologia, 2024, p. 1–14. https://doi.org/10.1080/00275514.2024.2363137.

[3] PODOLECKA, Agnieszka. Spiritual healers in the Basotho society: An overview of “traditional” beliefs in Christianised Lesotho*. Studies in African Languages and Cultures, Vol. 55, p. 159–184, 2021. Disponível em: <https://salc.uw.edu.pl/index.php/SALC/article/view/293>.

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